[Coluna do Gaiato] A apaixonante Samurai de Olhos Azuis

A Netflix tem feito apostas um pouco duvidosas em suas produções. Um orçamento milionário em Rebel Moon, a nova empreitada meia boca do Snyder, e até mesmo as suas “sagas românticas” 365 Dias e Através da Minha Janela. Parece existir uma grande dificuldade de entender o público e trazer um conteúdo de qualidade.

Nas animações, a coisa parece estar um pouquinho mais clara. Em 2021, a vermelhinha trouxe a incrível Arcane, uma produção do universo de League of Legends, que consegue agradar aos mais diversos públicos. Uma mistura de ação, aventura, política e muita fantasia fizeram de Arcane uma das melhores do ano.

Mesmo com diversas animações excelentes, ainda existe muito preconceito com esse tipo de produção. Não é incomum ouvir que animação é coisa de criança, que é muito infantil, ou que passa pouca emoção. Samurai de Olhos Azuis parece ter ouvido essas “reclamações”, e vem com os dois pés na porta quando o assunto é conteúdo para adultos.

Nessa produção que praticamente fechou o catálogo da Netflix em 2023, acompanhamos a saga de Mizu e sua vingança para eliminar os homens que destruíram sua vida. A história se passa no Japão, século 17, e em um período bastante específico, quando ocorreu o sakoku, que era uma política isolacionista japonesa. Neste período, as fronteiras foram reforçadas e as relações comerciais com outros países eram extremamente limitadas.

Esse é um ponto crucial para a história de Mizu, que é produto da “invasão” do ocidente. Isso mesmo, Mizu tem sangue europeu e leva consigo uma característica que deixa clara a sua miscigenação: seus olhos azuis. Neste período de fronteiras fechadas, o Japão tratava o externo como lixo, inferior, até mesmo não humano, e os mestiços conseguiam ser vistos como ainda mais inferiores. Isso faz com que Mizu tenha que passar sua vida fugindo e se escondendo do preconceito dos japoneses.

Samurai de Olhos Azuis é um grito de força para todos os rejeitados. Não falando somente sobre raça ou questões étnicas, a série trabalha o diferente, todo o seu subtexto diz respeito a ressignificação de ideias pré-concebidas. Além da saga de Mizu, também acompanhamos a história da Akemi, uma princesa que recusa a ideia de um destino fixo e imutável para as mulheres, do Taigen, um samurai extremamente vitorioso que um dia conhece a derrota, e do Ringo, um cozinheiro de soba, que carrega uma deficiência física e tenta encontrar o sentido na sua própria vida.  

Todas essas histórias acabam por se encontrar em determinado momento em uma trama de tirar o fôlego. Samurai dos Olhos Azuis é cheia de ação, aventura, política, sexo e muita violência. É uma trama bem adulta, não só pelo conteúdo gráfico abordado, mas também pelas questões sociais e políticas que necessitam de um entendimento um pouco mais apurado ― para você não pensar que é só um samurai cortando gente à toa.

A história é tão interessante ― créditos para Amber Noizumi e Michael Green ― que a parte técnica quase fica de lado. Quase. O trabalho de animação do estúdio Blue Spirit é primoroso, coisa de maluco. A série é linda e a sensação que fica é que qualquer frame pode se transformar em um wallpaper para o seu computador. Isso acontece porque, além de uma animação ímpar, a direção é muito bem feita. Além da fotografia arrasadora, alguns usos de câmera deixariam grandes diretores de Hollywood no chinelo.

“Uso de câmera? Numa animação” você pode estar se perguntando. É isso aí, a direção em animações existe e é essencial para trabalhos como esse. Uma boa direção faz com que uma história que já é interessante se torne mais incrível ainda de ser vista. E me assusta muito saber que esse é o primeiro trabalho como diretora da Jane Wu. Sabe muito.

E, se não fosse o suficiente, Samurai de Olhos Azuis tem um elenco de vozes que não está para brincadeiras. Desde Maya Eskirne e Darren Barret, os queridinhos das comédias românticas, até o Keth Branagh, que fez um vilão tão bom em Tenet, do Nolan, quanto o que ele faz nessa série.

Samurai de Olhos Azuis foi uma surpresa muito agradável e me deixou a ponto de pular do sofá em diversos momentos. Tomara que a próxima temporada não demore muito (já foi confirmada!), tenho muitas dúvidas que precisam ser sanadas.

Bebam água, comam frutas e feliz 2024! <3 

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