Os livros como paixão - Crônica de Moacyr Scliar e divagações sobre estudos e livros

Olá pessoal, todos bem? 💖

Recentemente, resolvi estudar para Concursos Públicos. Escolhi alguns livros, montei um cronograma de estudos semanal e até estou testando um app de aulas gratuitas chamado Kultivi. Tem aulas para Concursos, Enem, idiomas e até sobre carreira e desenvolvimento pessoal. Em outro momento, posso comentar e indicar todos os apps e sites que estou utilizando nessa nova maratona.

Em um dos livros, o de Português para ensino médio, encontrei essa crônica que está abaixo no post e que gostei muito.


📷| Freepik (editada)



Os livros como paixão - Moacyr Scliar

"Ladrão de livros de 85 anos é proibido de entrar em bibliotecas da Califórnia." 
Folha Online, 14.nov.2002

Ninguém compreende minha paixão por livros, suspirava ele. E era uma grande paixão: o pequeno apartamento em que vivia estava literalmente atulhado de romances, livros de contos, obras de auto-ajuda, textos médicos, até. Não que ele os lesse. Ler era secundário. O importante era possuir os livros, saber que toda aquela riqueza cultural do passado estava ali, ao alcance de sua mão. A mão que acariciava as lombadas, que folheava amorosamente as páginas.

O problema é que livros custam dinheiro. E dinheiro lhe faltava. Aos 85 anos, vivendo de uma modesta aposentadoria, o ancião não podia dispender muito em livrarias. Por isso roubava. "Roubo", aliás, era uma expressão que lhe desagrava; preferia falar em algo como "redistribuição da riqueza intelectual". Mas o eufemismo não o ajudava muito. Nem as mãos trêmulas, nem a lentidão.

Cada vez que ia roubar um livro, deixava cair uma pilha inteira no chão. Mais do que isso, não sabia disfarçar: os bibliotecários sabiam quando ele estava roubando. Pediam-lhe as obras furtadas de volta e, justiça seja feita, ele nunca se negou a fazê-lo. Era parte de um jogo, um jogo que ele adorava, e cujas regras sempre respeitou.

Infelizmente, porém, os bibliotecários cansaram deste jogo. E um acordo entre eles resultou em uma decisão: o homem agora está proibido de entrar nas bibliotecas. Não adianta ele dizer que quer apenas consultar jornais. Não adianta, também, dispor-se a ser revistado. A paciência dos responsáveis simplesmente terminou.

Resta-lhe refugiar-se em seu sonho. E que sonho é este? Ele sonha que um dia vai ganhar muito dinheiro - num cassino, ou numa loteria. E aí comprará uma grande e antiga biblioteca -que será só dele. Ninguém mais poderá frequentá-la. Só ele. Ali irá todos os dias.

Para roubar livros, claro. E os bibliotecários, seus empregados, não poderão dizer nada. Mais: terão de fingir que não percebem o furto. E ele roubará o que quiser.

Belo sonho, consolador sonho. O único inimigo deste sonho é o tempo. Com 85 anos, quanto mais ele poderá esperar pelo cassino ou pela loteria? O tempo é um grande e implacável ladrão. E não tem nenhuma paixão por livros.


O escritor Moacyr Scliar escreveu às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de ficção baseado em reportagens publicadas no jornal. (Fonte)
Publicado originalmente em: Folha de São Paulo, 25 nov.2002.

*Moacyr Scliar (1937-2011), escritor e médico gaúcho, autor de mais de 70 obras, entre crônicas, romances e contos.


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O que me chamou a atenção nesta crônica é que além da notícia inusitada transformada em texto ficcional criativo, foi a ideia de que poderia muito bem ser uma parte real da história do senhor em questão, claro que com alguns enfeites da imaginação do cronista.

Posso me considerar uma acumuladora de livros assumida. Não li todos os que tenho em casa. Admito que alguns, eu nem faço ideia de como vieram parar em minha coleção. Enquanto que outros livros, geralmente emprestados para alguém, já desisti de receber de volta.

Fora os livros que usei em escola e doei, há alguns anos. Sempre aparece algum livro novo ou alguém querendo doar ou trocar. Já troquei em sebo também. Não conseguiria vender nenhum deles, no entanto. (Digo, no caso de vender diretamente a alguém.)

Já me arrependi de ter me desfeito de um livro, enquanto outros sinto falta e não sei a quem emprestei. Mas, vida que segue.

Porém, tem uma coisa que não mudou em minha maneira de encarar a vida: Que sou uma eterna aprendiz. E, talvez por este motivo, resolvi voltar a estudar para algum Concurso Público além de ter a intenção de migrar de área profissional.

Para quem ainda não me conhece, sou da área de Tecnologia da Informação (TI). A opção pelos Concursos vem da possibilidade/oferta de estabilidade profissional. E a ideia de mudar de área seria, talvez, por realização pessoal. Dessa vez, irei procurar um curso de Letras e posteriormente, a especialização em Crítica Literária. Será que conseguirei unir o útil ao agradável? rs.

Precisamos trabalhar, afinal livros não caem do céu. E não dá para ser uma roubadora de livros, como lifestyle. ♥



*PS.: Sim, usei referências a Big Bang Theory (quando Sheldon Cooper diz que videogames não caem do céu), e ao livro "A menina que roubava livros" de Markus Zusak.


~~♥
kissus




2 comments

  1. Oi, Val. Tudo bem? Sensacional essa crônica do Moacyr Scliar. Penso que todos que amam livros são acumuladores de livros de um modo geral. Que você realize o seu curso de Letras e se especialize na área que deseja. Tenho certeza que você alcançará este objetivo. Abraço!


    https://lucianootacianopensamentosolto.blogspot.com/

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  2. Adorei a crônica!
    Olha, minha situação não é muito diferente da sua com vários livros não lidos na estante, alguns doados com arrependimento, outros sem... emprestados não tenho, as pessoas à minha volta não compartilham do meu gosto literário (exceto minha mãe que pega alguns, mas moramos juntas então sei onde o livro está.. rsrs...) Eu bem que gostaria de ter uma biblioteca, só pelo prazer de ter todos os meus livros organizados em um só lugar.

    Te espero nos meus blogs!
    https://hipercriativa.blogspot.com (Livros, filmes e séries)
    https://universo-invisivel.blogspot.com/ (Contos, crônicas e afins)

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